Salve Seu Zé Pelintra!
Falar de Seu Zé Pelintra no tempo da quaresma cristã parece provocação.
Incentivar ou manter o preconceito com esta entidade tão iluminada é não
aceitar essa bênção de sua proteção.
Quantos já escreveram e dissertaram de forma tão brilhante, sobre as
origens desse espírito guerreiro. Mas aquilo que vivencio, ou conhecendo as
várias manifestações em diferentes locais, onde presenciei trabalhos carregados
de fé.
Em casas de irmãos que trabalham com as diretrizes voltadas ao Catimbó,
a manifestação de Mestre Zé Pelintra vem carregada de rituais voltados ao culto
da Jurema, árvore sagrada. Nesses trabalhos, aparece como malandro vestindo
terno branco e gravata, fumando seu charuto, bebendo sua marafa, mas fazendo
suas orações que auxiliam todos aqueles que lhe pedem justiça, vitória contra
as demandas.
Presenciei em outra ocasião, e em outro local a chegada de um velho que
era amparado por cambones, ali chegou e se apresentou: “sou Seu Zé Pelintra das
Almas, e não vim pra brincadeira!” Era um Preto-Velho com suas cantigas que
mais eram orações que mostravam a sua forma de trabalho, e suas recomendações
quase sempre são conselhos de mudanças de atitude para os que insistem na vida
sem utilidade, fazendo o sofrimento por onde passavam.
Alguém pode afirmar que o culto de Seu Zé Pelintra é completamente o
oposto e que tal entidade é um Exu que zomba da dor alheia, e que sua missão é
trazer a discórdia por onde passar. E infelizmente, acaba sendo mais
convincente, por causa do lucro que pode conseguir diante de uma humanidade tão
ressentida e vingativa.
Para minha alegria conheci muitos lugares que valorizam o trabalho desse
espírito iluminado, que com o passar dos anos se revelou mais justo, brilhante
soldado de Ogum e fiel conselheiro para aqueles que quiserem se libertar da
prisão dos vícios de toda a espécie.
A Luz deixada por Seu Zé Pelintra será reveladora, e assim muitos
saberão da verdade libertadora dos preconceitos.
Em qualquer tempo, faça uma prece em louvor ao Seu Zé Pelintra.
Quem é Zé Pelintra?
Trata-se de um espírito famoso, alguém que viveu de forma anônima, sendo
mais um José na multidão. Era mais um negro brasileiro, que vivia na
simplicidade e se divertia cantando e encantando as pessoas. Era esperto demais
que virou malandro e lenda no Rio de Janeiro. Para muitos aquele Zé se tornou
um grande guerreiro, iluminado por Ogum, São Jorge vencedor de demandas. Tão
sábio era em vida que se transformou numa das colunas da Umbanda.
Ouvi certa vez de um mensageiro que se apresentou como Seu Zé Pelintra,
que surgiu após a incorporação dos Caboclos no terreiro. Aproximou-se de mim e
disse: “Não tema menina, sou espírito do Bem. Venho com a ordem de Ogum, e
cumprir sua vontade. Muitos irmãos se apresentam com nome de Zé Pelintra em
diferentes degraus da escada. A escada que subimos pouco a pouco, trabalhando
com as ferramentas que encontramos em cada degrau.
Poucos entendem que somos muitos espíritos carregando o mesmo apelido,
por causa da simpatia que possuímos pela história e trajetória espiritual daquele
primeiro Seu Zé. Nosso lema principal é sempre vencer as batalhas em nome da
Luz Maior.
* No primeiro degrau avistamos o sinal dos tridentes cruzados, mostrando
que nosso combate será nas encruzilhadas, ao lado dos Exus Guardiões, eternos
vigilantes do equilíbrio. Participamos de muitos tipos de trabalho, seja no
Catimbó ou Santeria.
Vestindo nosso terno branco, gravata vermelha nos impomos com nossa
elegância e nosso conhecimento contra qualquer mal feito. Usamos de toda a
astúcia para enfraquecer o abismo destruidor, por isso muitas vezes nos chamam
de malandros que saem durante a noite.
Quando chegamos ao segundo degrau estamos ao lado dos espíritos de
baianos e boiadeiros, trazendo alegria e esperança para todos. Através da
cantoria, da dança, e da palavra esperançosa, ilumina as almas encarnadas com a
certeza que merecem serem felizes. Recebemos o nome de Baiano Zé Pelintra, e a
fama de grandes conquistadores das almas femininas.
* Nesse degrau do meio, estamos em bandas, ou povos, sem esquecer o que
se passou no degrau anterior. Usamos da alegria e esperança, para a libertação
daqueles que se entregaram nos laços destruidores de almas. Mostramos que a
beleza da vida está em toda parte, e que levamos da vida a vida que a gente
leva.
* E finalmente no terceiro degrau, juntamente com as Almas abençoadas
dos Pretos-Velhos, deixamos confusos aqueles que acham que o espírito demora
uma eternidade para evoluir. Esquecem-se da grande misericórdia divina, e do
perdão que Deus concede aos arrependidos sinceros.
Com toda a sabedoria que adquirimos ao longo da trilha espiritual,
percebemos que em muitos momentos nos reunimos num nível só. Somos os
guerreiros das encruzilhadas, que com toda a alegria e disposição usaremos
sabiamente o que aprendemos durante toda a jornada espiritual.
“Viu só menina quanta coisa ainda precisa aprender?
Todos são livres para escolher a felicidade, e desprezar a dor.
Zé Pelintra é do nosso povo brasileiro, sofrido, espoliado, mas não
desiste de ser feliz”.
Como é sua Imagem?
A imagem do negro elegante, vestindo seu terno branco a gravata
vermelha, lenço vermelho na lapela, e um chapéu panamá, muito usado nos anos
quarenta. Essa é uma imagem popular do Seu Zé Pelintra, que qualquer pessoa
identifica em qualquer lugar.
Seu culto em Minas Gerais se realiza no Catimbó. Cerimônias em locais
retirados dos centros urbanos, no interior, em comunidades que possuem a
tradição familiar, ou seja, o comando espiritual passa de pai para filho, ou
para herdeiros escolhidos. O fundamento principal está baseado no segredo que
envolve a bebida extraída da árvore da Jurema, um segredo que é guardado pelos
homens. Nesses cultos se valorizam a força da reza, ou orações parecidas com as
da Igreja católica e a incorporação dos Mestres espirituais ancestrais. Seu Zé
Pelintra é para alguns, um desses Mestres. É recebido com respeito, porque um
dos seus grandes trabalhos é o “fechamento de corpo”. Consistia em rezas para a
segurança nas viagens longas em estradas perigosas, ou proteção contra inimigos
materiais ou espirituais. Segundo me informou uma pessoa que viveu dentro desse
culto no Catimbó, o dia mais recomendado para se fazer o fechamento de corpo
para um ano inteiro, era a sexta-feira santa. Nesse dia Mestre Zé Pelintra
incorpora num médium paramentado de terno branco, gravata vermelha, tal e qual
a representação de sua imagem mais popular. O médium que o incorpora geralmente
se torna muito vaidoso, e tal qual o Mestre Zé Pelintra, é uma pessoa ao mesmo
tempo amada e temida em muitos pontos do país.
Nos terreiros de Umbanda, raramente se avista a imagem de Seu Zé
Pelintra num altar especial, dentro das salas de trabalho, e muito poucos se
atrevem a chamá-lo em giras de baiano. Sua presença é vista com estranheza e
desconfiança, por que alegam que esse malandro só possue lugar dentro da
trunqueira, ou seja, junto aos Exus Guardiões. A trunqueira é localizada em
geral, fora dos limites da sala principal de trabalho, do lado esquerdo de quem
entra.
O tempo passa, e por mais que o trabalho desse espírito iluminado
demonstre sua evolução, muitas pessoas ficam estacionadas em conceitos passados
por pessoas que temem Seu Zé Pelintra. Um temor que envolve lendas passadas e
incorporadas no senso comum. Aquele que teme por que aprendeu que Zé Pelintra é
do mal, espírito sem luz que só faz tragédia acontecer para quem nele acredita.
Quantos médiuns que possuem missão com ele em suas falanges? Ou ficam
confusos ou temerosos ou então se envaidecem pelo poder de intimidação que esse
espírito traz em suas lendas.
Os que ficam confusos e temerosos tentam “cuidar dele” para que ele não
atrapalhe sua vida. São induzidos a incorporar Seu Zé em giras carregadas de
medo e destruição. Impedem que os brilhos de seus trabalhos sejam realizados,
fazendo com que se reforce a idéia de que esse espírito seja mensageiro das
trevas. Alguns conseguem se libertar dessa concepção e através de estudo e
análise de outras correntes de pensamento, aquelas que observaram a evolução
das manifestações de Zé Pelintra na Linha das Almas. Graças aos caminhos
evolutivos as informações positivas e esclarecedoras chegam ao entendimento. Aí
o médium sente a companhia espiritual como bênção, e assumirá a conduta de
sempre buscar o seu melhor, estudando e evoluindo para continuar sua missão com
dignidade.
O aprendizado constante é dever de todo médium, e a humildade é sua
pedra fundamental. Seu Zé Pelintra é espírito iluminado e o médium que se
atreve a vangloriar-se de sua proteção, sofrerá muito com as decepções que
causará e receberá o seu retorno. Por ser um espírito famoso, pode causar ao
seu médium o penoso caminho da provação e do abandono. Os médiuns são
intermediários, é ser instrumento e aprendiz dessa experiência maravilhosa.
Experiência de contacto com a Luz que ilumina os corações e espíritos de todos
inclusive dos médiuns. A vaidade é devastadora, pois deixa o contacto com a Luz
interrompido. O vaidoso em principio até trabalhou com a entidade, mas com o
tempo e a persistência desse sentimento acontece o afastamento do espírito
iluminado e cede a aproximação de obsessões que comandam e sustentam a farsa.
Ser médium é ter responsabilidade, e não existe isenção quando o arbítrio
decide pela vaidade.
Seu Zé Pelintra, tal e qual aos espíritos mais conhecidos, possui a
responsabilidade de executar sua missão com determinações do Astral Superior.
Portanto a presença de Seu Zé Pelintra em várias partes do país pode
mudar conforme a cultura local, mas a essência de sua missão fortalecida na
alegria e esperança. Quer esteja na vibração das encruzilhadas, das matas com a
Linha das Almas, seu trabalho valoroso deve ser bem interpretado. A liberdade
desse espírito expõe a grandeza do caminho da evolução espiritual, que todos os
grandes Mestres trilharam. Na simplicidade e na seriedade, os milagres
atribuídos a esse espírito guerreiro vão continuar e cabe-nos refletir sobre
nossas atitudes diante dele.
Que a partir desse novo tempo de evolução mais irmãos coloquem em seus
altares materiais e em seus corações, a imagem brilhante daquele negro de terno
branco e chapéu panamá. Que ele continue rezando por nós nesses dias tão
violentos, fechando nossas mentes para o preconceito e isolamento.
Salve Seu Zé Pelintra!
Por Mãe Bebel – Fraternidade Socorrista Mãe Yemanjá e Baiano Zeferino